terça-feira, 1 de julho de 2014

20 Anos do Plano Real.





No auge da hiperinflação, no início da década de 90, Ricardo José Alves, fundador da rede de fast food Griletto, era dono de um açougue. Todas as tardes, religiosamente, ele e sua equipe recolhiam todo o dinheiro do caixa e levavam ao banco antes que as agências fechassem. O objetivo era aplicar e garantir o rendimento do overnight. Na época, com a inflação mensal chegando a 80%, Alves, assim como a maioria dos empresários, se viu obrigado a ter aplicações financeiras para garantir o seu lucro. “Nós vendíamos os produtos a preço de custo e aplicávamos o dinheiro. O overnight era a ferramenta de trabalho. Era até mais que o cliente. Era a aplicação que fazia o resultado do negócio”.

A corrida diária aos bancos deixou de ser rotina após 1994, quando a estabilidade econômica, trazida pelo Plano Real, pôs fim ao lucro via aplicações bancárias e exigiu que as empresas garantissem o resultado com a produtividade do negócio e não no mercado financeiro.

A adaptação não foi da noite para o dia. Os consumidores, as empresas e até os governos levaram um tempo para se acostumar e confiar na nova realidade. "Naquela época eu estava condicionado a viver do lucro financeiro. Não pensava em como ganhar dinheiro vendendo o meu produto. Hoje, a preocupação é com o cliente e com alternativas de vendas", diz Alves.

No dia que antecedeu a chegada do real, não foram poucos os casos de aumentos de preços. Segundo o Procon, entre o anoitecer do dia 30 de junho e o clarear do dia 1º de julho, a alta dos preços chegou a 68,29%. Só o pão francês registrou um aumento de 15% em São Paulo. O medo de mais um congelamento de preço fez com que os supermercados remarcassem seus preços de forma abusiva, ao ponto de o presidente Itamar Franco ameaçar os estabelecimentos com multas e até interdição.

O Plano

O real tornou-se a moeda brasileira no dia 1º de julho de 1994. Mas começou a ser arquitetado em 1993, especialmente a partir do segundo semestre, pela equipe econômica criada por Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda do governo Itamar. Faziam parte do grupo Edmar Bacha, Persio Arida, André Lara Resende, Gustavo Franco e Pedro Malan.
Juntos, os economistas definiram que o plano seria dividido em três fases. A primeira delas seria o ajuste das contas públicas, através de um corte no Orçamento. A segunda seria a implantação da Unidade Real de Valor (URV), unidade monetária para desindexar a economia. Por fim, a URV seria transformada em real, a nova moeda brasileira. O Congresso, após intensa negociação, aprovou o plano e as fases seguiram como planejado.

Segundo o professor da Fundação Getúlio Vargas, Leonardo Weller, a grande diferença do Plano Real para seus antecessores foi a transparência e a antecedência. Nenhum anúncio veio de surpresa, não houve congelamentos e as medidas foram introduzidas aos poucos.

O Plano Real entrou para a história como o episódio que acabou com a inflação e inaugurou um novo ciclo de desenvolvimento econômico. Mas para chegar até o real foram feitas outras tentativas de acabar com a escalada dos preços. A primeira delas aconteceu em 1986, durante o governo de José Sarney. Era o Plano Cruzado, que congelaria os preços por alguns meses, até se tornar insustentável. Depois dele, vieram Bresser, Verão e o Plano Collor, com seu traumático confisco das poupanças. Todos tiveram um resultado positivo nos primeiros meses de vigência, mas nenhum foi bem-sucedido no longo prazo.

Para os economistas, a chave do sucesso do Real foi a URV, que entrou em vigor em 1º de março de 1994. A adoção de uma moeda virtual para fazer a transição foi a melhor solução encontrada para desindexar a economia e uma alternativa ao congelamento de preços. Na prática, funcionou assim: todos os preços foram remarcados com valores em URV, que era atrelada ao dólar. A moeda que efetivamente circulava era o cruzeiro real e todos os dias era divulgado o valor equivalente da URV em cruzeiros reais. Ou seja, se você entrasse no supermercado para comprar frango, na prateleira ele estaria marcado com o preço “1 URV”. No caixa, o valor seria convertido na moeda “de verdade” para realizar o pagamento. Pouco a pouco, a inflação inercial arrefeceu e a economia se acostumou aos preços estáveis.  A população, já calejada após tantos planos e com a ajuda do governo e de jornalistas, conseguiu entender a economia da URV e contribuir para o sucesso nessa fase do plano.
Fonte:http://20anosdoreal.epocanegocios.globo.com/